segunda-feira, 27 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

corações surdos #1

Entrevista de Nicholas Carr, autor do livro "The Shallows: What the Internet is Doing to Our Brains" (No Raso: O que a Internet Está Fazendo com Nossos Cérebros):

FOLHA - O que pode ser feito em termos práticos e individuais para resistir a essa tendência? Reservar algumas horas no dia ou na semana para permanecer desconectado? É o que o Sr. faz nas montanhas do Colorado?

CARR - (Risos) Não escrevi o livro para ser do tipo de autoajuda. A mudança que estamos vendo faz parte de uma tendência de longo prazo, na qual a sociedade põe ênfase no pensamento para a solução rápida de problemas, tipos utilitários de pensamento que envolvem encontrar informação precisa rapidamente, distanciando-se de formas mais solitárias, contemplativas e concentradas. Por outro lado, como indivíduos, nós temos escolha. Mesmo que a desconexão se torne mais e mais difícil, pois a expectativa de que permaneçamos conectados está embutida na nossa vida profissional e cada vez mais na visa social, a maneira de manter o modo mais contemplativo de pensamento é desconectar-se por um tempo substancial, reduzindo nossa dependência em relação às tecnologias de tela e exercendo nossa capacidade de prestar atenção profundamente em uma única coisa.

FOLHA - Seu livro lembra o filme Fahrenheit 451 (1966), de François Truffaut, baseado em romance de Ray Bradbury em que as pessoas decoravam livros para impedir que todos fossem destruídos. O Sr. acredita que essa seja a mensagem mais comum extraída dele, a importância de permanecer desconectado para preservar algo que não se deve perder?

CARR - Sim, e fico mesmo gratificado com isso. Muitas pessoas que o leram reagiram dessa maneira. O valor do livro para elas, pessoalmente, foi confirmar algo que talvez não tivessem percebido claramente antes, que estão de fato perdendo essa habilidade de ler e pensar em profundidade. Estão questionando sua dependência da nova tecnologia digital e, em alguns casos, tentam moderar o uso das engenhocas e retornar à leitura de material impresso, reservando tempo para contemplação, reflexão e meditação, modos mais solitários e calmos de pensar.

FOLHA - As escolas deveriam restringir o uso de computadores e internet pelos alunos, em lugar de se lançar de cabeça na tecnologia?

CARR - Sim. Nos Estados Unidos tem havido uma corrida para considerar que computadores na escola são sempre uma coisa boa, até mesmo uma confusão da qualidade do ensino com o tempo que os alunos passam conectados. É um erro. Certamente os computadores e a internet têm um papel importante a desempenhar na educação, e as crianças precisam aprender competências computacionais, a usar a internet de maneira eficaz. Mas as escolas precisam perceber que essa é uma maneira de pensar diferente de ler um livro. É preciso dar tempo e ênfase, no ensino, para desenvolver a capacidade de prestar atenção em uma única coisa, em vez de mover sua atenção entre diversas coisas. Isso é essencial para certos tipos de pensamento crítico e conceitual.

FOLHA - O sr. tem um blog que as pessoas podem acompanhar por assinaturas RSS, uma página pessoal, outra para o livro, mas não tem Twitter. É um limiar que não se dispõe a cruzar?

CARR - Eu já tive conta no Twitter um par de anos atrás, e também no Facebook. Na medida em que me dei conta de que minha vida intelectual estava mais e mais envolta pela internet, decidi sair. Acho que esses serviços, mesmo que sejam obviamente úteis para as pessoas, são também os que mais distraem, constantemente nos interrompendo com pequenas mensagens. Foi aí que eu tracei a fronteira, mesmo que eu perca algo por não estar no Facebook ou Twitter. As interrupções são um preço alto demais a pagar.

FOLHA - O sr. consideraria a internet responsável pela epidemia de casos de transtorno deficit de atenção e hiperatividade (TDAH), ou atribui isso à medicalização de comportamentos pela grande indústria farmacêutica para vender remédios domesticadores?

CARR - Preciso ser cuidadoso com a resposta, porque não tenho certeza de que a ciência sobre isso seja definitiva, ainda. Há indicações de que as tecnologias que as crianças usam, de videogames a Facebook, possam contribuir para TDAH. É algo que precisa ser mais estudado. Para os pais que estejam preocupados com a capacidade de seus filhos de manter a atenção, poderia ser apropriado restringir as tecnologias.

FOLHA - A TV e o rock também já foram acusados no passado como ameaças aos intelectos jovens, mas não há carência de novos escritores e artistas. Será que não temos uma tendência para ser alarmistas?

CARR - Sempre que uma tecnologia nova e popular aparece, há pessoas que adotam uma visão exageradamente otimista, de uma utopia social, e pessoas que adotam uma visão exageradamente negativa, de que ela vai destruir a civilização. No livro tento não adotar uma visão unilateral da tecnologia, porque acho que ela tem muitas coisas boas, do acesso mais fácil a informação até novas ferramentas para autoexpressão. De certo modo, os jovens se encontram na melhor posição para resistir a essa tendência e serem literários, artísticos. Meu temor é que, na medida em que empurramos celulares, smartphones e computadores para as crianças em idades cada vez mais precoces, elas não venham a desenvolver as habilidades mentais mais contemplativas e atentas. Isso seria uma grande perda para a cultura, pois a expressão artística requer reflexão mais calma, tranquila, introspectiva. Se as crianças perderem isso, veremos uma diminuição nas realizações culturais e artísticas.

FOLHA - Algumas pessoas discordam, como o psicólogo evolucionista Steven Pinker, de Harvard, e acham que é alarmismo.

CARR - Pinker escreveu um artigo para o jornal "The New York Times" no qual não mencionou diretamente meu livro, mas não estou certo de que ele tenha um argumento persuasivo, para ser franco. Há quem pense que não é importante ou preocupante perdermos formas mais contemplativas de pensamento. Acreditam que nosso futuro está na troca rápida de mensagens e no processamento acelerado de informações. As pessoas valorizam aspectos diferentes da cultura e da vida intelectual. Não espero que todos concordem comigo.

leia a entrevista completa aqui!